quarta-feira, 4 de março de 2009

“Qual é meu desejo mais profundo na vida?”

No livro Serenando a Mente – O olhar budista sobre o medo e o terrorismo, Thich Nhat Hanh nos fala sobre “Alimentar a Paz”. Conta que “o Buda falou sobre a senda da emancipação em termos de consumo. No discurso sobre a Carne do Filho o Buda ensinou que nós consumimos quatro tipos de nutrimentos. Se sempre estivermos cientes do que consumimos e compreendermos a sua natureza, poderemos transformar o sofrimento dentro de nós e à nossa volta. Consumir conscientemente é essencial para pôr fim ao terrorismo”.
Em nossa reunião desse último domingo, estudamos o Terceiro Nutrimento: o nosso desejo mais profundo, cujo texto segue abaixo. Os demais nutrimentos são: 1o.) alimento comestível; 2o.) alimento sensorial e 4o.) consciência.

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O Terceiro Nutrimento: nosso desejo mais profundo
O terceiro tipo de alimento é a volição, nosso desejo mais profundo. Temos de perguntar-nos: “Qual é meu desejo mais profundo na vida?” Nosso desejo pode levar-nos rumo à felicidade ou rumo ao sofrimento. O desejo é um tipo de alimento que nos nutre e nos fornece energia. Se você tiver um desejo salutar, como a vontade de proteger a vida e o meio ambiente ou a de viver uma vida singela com tempo para cuidar de si mesmo e de seus entes queridos, ele lhe mostrará o caminho da felicidade. Se você persegue o poder, a riqueza, o sexo e a fama, achando que tudo isso lhe trará felicidade, na verdade está consumindo um alimento muito perigoso e que lhe trará muito sofrimento. Basta você olhar ao seu redor para ver que isto é verdade.
Em 1999, num retiro para executivos, muitos deles reconheceram que gente com grande riqueza e muito poder também sofre imensamente. Um empresário riquíssimo falou-nos de seu sofrimento e sua solidão. É o dono de uma grande empresa com mais de 300.000 empregados trabalhando no mundo inteiro, inclusive no Vietnã. Ele contou que pessoas muito ricas são com freqüência extremamente solitárias porque desconfiam dos demais. Elas acham que todos o que se aproximam delas declarando amizade estão apenas atrás de seu dinheiro e só buscam tirar vantagem. Essas pessoas sentem que não têm verdadeiros amigos. Os filhos de gente rica também sofrem profundamente; é comum seus pais não terem tempo para eles por estar muito preocupados em manter a riqueza.
Anos atrás, num retiro que realizamos em San Diego, na Califórnia, dois artistas famosos compareceram. Eram Peter, vocalista da banda Peter, Paul and Mary, e Julie Christie, atriz de cinema. Ambos disseram-nos que a fama não os fazia felizes. A felicidade deles decorria de serem capazes de retornar para o próprio coração e a própria mente e realmente exercitarem essa prática. Odette Lara, a estrela do cinema brasileiro, participou de um retiro na Califórnia no início da década de 80 e, mais tarde, escreveu-me uma carta. “Caro Thây. Eu pensava que minha árvore já estava morta porque durante muito tempo não tive desejo algum no meu coração. Esta manhã, porém, ao acordar, eu senti de repente um novo desejo, um novo rebento brotando da árvore que eu supunha sem vida”.
O Buda tinha um desejo muito profundo, mas não era de dinheiro, fama, poder nem sexo. Siddhartha, que se tornou o Buda, tivera o bastante disso quando era príncipe. Seu desejo era o de transformar todo o seu sofrimento, ser feliz e ajudar outros a sofrerem menos. Ele não queria seguir os passos de seu pai e virar rei ou político. Depois de 2.600 anos, o Buda ainda nos ajuda. Ao tornar-se monge, Siddhartha passou a viver de maneira muito simples: ele tinha apenas três túnicas e uma tigela e ia andando para todos os lugares. Assim viveu por quarenta anos. Trouxe felicidade para si e para inúmeras pessoas sem desejar a riqueza, sexo, poder nem fama.
Para ilustrar o terceiro tipo de alimento, o Buda deu o exemplo de um jovem que tinha muita vontade de viver, mas se deparou com dois homens fortes que queriam matá-lo. Eles o arrastaram até a borda de um poço com carvão em brasas e, apesar de ele ter lutado e resistido, finalmente conseguiram vencê-lo e o jogaram no poço. O Buda disse que nosso desejo é como aqueles dois homens fortes. Nossos desejos podem arrastar-nos para um poço de carvão em brasa ou podem conduzir-nos à felicidade, à saúde e à paz. Se permitir que o desejo de riqueza, sexo, poder, fama ou vingança lhe domine, você será arrastado por aqueles dois brutamontes para o poço cheio de brasas. Pergunte-se para onde seu desejo está lhe conduzindo. De que natureza é esse desejo? É de ter uma casa maior, melhor emprego, um diploma, fama, posição elevada na sociedade, ou é algo mais profundo? Não deixe que seu desejo seja pequeno. Ele deve ser muito grande. Se seu desejo não for grande, você será desviado por muitos desejos menores.
Tome alguns minutos para anotar seu desejo mais profundo. Quer viver como pessoa livre sem preocupações ou ânsias? O desejo de ser uma pessoa livre é muito valioso. Ser livre significa deixar de ser vítima do medo, da ira, da ânsia ou da suspeita. É isso o que você quer? Talvez você queira, mas não o bastante. Você tem outros desejos que se interpõem, por exemplo querer uma casa maior, um carro mais possante ou comida mais gostosa. Esses pequenos desejos o distraem de seu desejo mais nobre. Se o desejo de liberdade de Siddhartha não fosse vigoroso, ele não teria conseguido vencer os desejos sensuais. Se quiser realizar seu desejo profundo, você tem de desejá-lo realmente.
Pode ser que você deseje melhor comunicação com seu parceiro. Talvez você tenha dificuldades com essa pessoa e já não consiga olhar nos olhos dela. Talvez você deseje um relacionamento mais próximo com seus filhos. Quando você e sua família são felizes, você tem condições de ajudar outras pessoas e também seu país. Muito queremos ajudar nosso país e a raça humana como um todo. No entanto, distraímo-nos com facilidade porque nosso ambiente não nutre suficientemente esse desejo. Tornar-se monge é, de certa forma, como participar de uma revolução: é preciso estar disposto a desistir de tudo porque se deseja profundamente a libertação.
Cultivando a compaixão
Há quem passe a vida inteira tentando vingar-se. Este tipo de desejo ou volição resulta em grande sofrimento não só para outros como para a própria pessoa que o nutre. O ódio é um fogo que arde em toda alma e só pode ser mitigado pela compaixão. Mas onde encontramos compaixão? Ela não está à venda no supermercado. Se estivesse, bastaria levá-la para casa para se acabar com o ódio e a violência no mundo com muita facilidade. Mas só com nossa prática podemos produzir compaixão no próprio coração.
Neste momento, os Estados Unidos estão sendo consumidos pelo medo, o sofrimento e o ódio. Nem que seja para aliviarmos nosso sofrimento, temos de nos voltar para nós mesmos e tentar compreender por que estamos presos em tamanha teia de violência. O que faz com que os terroristas odeiem tanto que estão dispostos a sacrificar suas vidas e causar enorme sofrimento a outrem? Nós vemos que eles odeiam intensamente, mas o que subjaz a esse ódio? É claro que temos de achar uma maneira de parar a violência deles, e talvez até precisemos manter gente na prisão enquanto seu ódio se consome. Mas o importante é fazermos um exame profundo e perguntar-nos qual a responsabilidade que nos cabe pela injustiça no mundo?
Às vezes alguém a quem amamos – um filho, cônjuge ou pai – diz ou faz alguma coisa cruel e com isso nós sofremos e ficamos com raiva. Pensamos que apenas nós sofremos. Mas essa outra pessoa também está sofrendo. Se não estivesse sofrendo, não teria falado ou agido por raiva. A pessoa que amamos não sabe como se livrar do sofrimento. É por isso que ela despeja todo seu ódio e sua violência sobre nós. Nossa responsabilidade é gerar a energia de compaixão que acalma o coração e nos permite ajudar a outra pessoa. Se a punirmos, ela simplesmente sofrerá ainda mais.
Responder à violência com violência só pode resultar em mais violência, mais injustiça e mais sofrimento, não só para os outros como para nós. Há sabedoria em todos e em cada um de nós. Quando respiramos fundo, podemos alcançar essa semente da sabedoria dentro de nós. Sei que se a energia da sabedoria e da compaixão no povo americano fosse nutrida durante uma semana, isso bastaria para reduzir o nível de raiva e ódio no país. Recomendo que todos pratiquemos a calma e a concentração mental, regando as sementes de sabedoria e compaixão que já temos em nós e aprendendo a arte do consumo atentivo. Se conseguirmos fazer isso, faremos uma verdadeira revolução pacífica, o único tipo de revolução que pode ajudar-nos a sair desta situação tão difícil.
Talvez algumas pessoas achem misteriosa a vida dos monges. Mas tudo o que fazemos no mosteiro é exercitar-nos em produzir compaixão e contemplar todas as espécies com olhar compassivo e amoroso. Para isto nós devemos ser muito cuidadosos quanto ao que consumimos. Quer estejamos comendo uma tigela de arroz, desfrutando de um campo florido ou nutrindo nosso desejo mais profundo, nós o fazemos tão atentamente quanto possível, cientes de cada respiração.


Um comentário:

  1. olá...para mim esta a ser muito complicado seguir os mandamentos corretos,pois tenho muita vontade de ter um carro novo uma casa grande com piscina ou seija ter realmente qualidade de vida.e pelo q leio temos que deixar os desejos de lado pq nada é real é uma ilusao,mas é uma ilusao q eu gostaria de ter.por favor me ajuda a me livrar dos desejos.

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