quinta-feira, 5 de março de 2009

A História do Budismo Engajado

Palestra sobre o Dharma proferida por Thich Nhat Hanh - Vietnã (Hanói), 6-7 de maio de 2008

(Tradução para a língua portuguesa por Fernando Domicildes Carvalho para a Comunidade de Budismo Plena Consciência)

No início do retiro de sete dias realizado em Hanói, em língua inglesa, Thich Nhat Hanh proferiu um raro vislumbre dos princípios de sua carreira. Este extrato das duas palestras sobre o Dharma revela o Thây como um mestre, um ativista social, um escritor prolífico e um defensor revolucionário do Budismo Engajado também denominado, nos dias atuais, de Budismo Aplicado.
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No ano de 1949, fui um dos fundadores do Instituto Budista An Quang na cidade de Ho Chi Ming e professor da primeira classe de noviços. O templo era muito simples, pois fora construído com bambu e sapé. O nome do templo era realmente Ung Quang. Um mestre do Dharma veio de Danang, o Venerável Tri Huu, e ambos construímos o templo de Ung Quang. A guerra se desenrolava entre os franceses e o movimento de resistência vietnamita. Cinco anos depois, em 1954, o acordo de Genebra foi assinado e o país foi dividido em duas partes: o norte comunista e o sul anticomunista. Mais de um milhão de pessoas migraram da região norte para a região sul, dentre eles muitos católicos.
Havia muita confusão no país. No templo de Ung Quang, de tempos em tempos, recebíamos soldados franceses que vinham nos visitar. Depois da batalha de Diem Biem Phu, a guerra com os franceses chegara ao fim e havia um acordo no sentido de que o país deveria ser dividido e os franceses deveriam se retirar do Vietnã. Eu me lembro de ter conversado muito com os soldados franceses. Muitos deles vieram e morreram no Vietnã.
Um novo olhar sobre o Budismo
Em 1954, havia uma grande confusão nas mentes das pessoas vietnamitas, especialmente os jovens – monges, monjas e praticantes leigos. A região norte era inspirada pela ideologia marxista-leninista. Na região sul, o Presidente católico Ngo Dinh Diem tentava conduzir o país com outro tipo de ideologia denominada "personalismo".
O Budismo é uma tradição muito antiga no Vietnã e a maioria das pessoas vietnamitas possui as sementes budistas. O senhor Vu Ngoc Cac, jornalista e administrador de um jornal diário, me pediu que escrevesse uma série de artigos sobre o budismo. Ele queria que eu produzisse insights na direção espiritual que deveríamos tomar para lidar com a grande confusão existente no país. Assim, escrevi uma série de dez artigos com o título "Um novo olhar sobre o Budismo".
Foi nesta série de dez artigos que propus a idéia de um Budismo Engajado – um Budismo relacionado com a educação, com a economia, com a política, etc. Desta forma, o Budismo Engajado teve o seu início no ano de 1954.
Naquela época, eu não utilizava uma máquina de escrever e escrevia à maneira antiga. Eles vinham, levavam o artigo e publicavam-no sempre na primeira página utilizando um enorme título com a cor vermelha. O jornal vendia muito bem porque as pessoas estavam sedentas por este tipo de saber. Elas procuravam por uma direção espiritual porque a confusão era muito grande por todo o país.
Chá de rosa e milho tenro
Esta série de artigos foi publicada em livro posteriormente. Não muito tempo depois, visitei a cidade de Hue. O senhor Du Tam, que havia estado nas minhas salas de aula no Instituto Budista Ung Quang, era o editor de uma revista budista. O seu templo estava instalado em uma pequena ilha do Rio Perfume, Huong Giang, onde era cultivado um tipo de milho muito saboroso. Ele me convidou para permanecer algumas semanas em seu templo. Todas as manhãs ele me oferecia chá com um tipo de rosa – uma minúscula flor que produzia um aroma muito delicado quando colocado no chá. Todas as manhãs nós realizávamos a meditação caminhando através da vizinhança e comprávamos milhos tenros. Ele me alimentava com chá de rosa e milho tenro e também queria que eu escrevesse outra série de artigos sobre o Budismo Engajado! (risos).
De fato, escrevi esta outra série de dez artigos intitulados "Budismo de Hoje" também sobre o tema Budismo Engajado. Esta série foi traduzida para o francês por Le Vinh Hao, um estudioso que vive em Paris. O título que ele deu ao livro foi "Aujourdui'hui le Boudhisme" (Budismo de Hoje).
Em 1964, quando visitei a América para proferir uma série de conferências, encontrei Thomas Merton, um monge trapista. Presenteei-lhe com uma cópia do "Aujourdui'hui le Boudhisme" e ele escreveu, posteriormente, uma resenha para o livro.
O Budismo que se introduz na vida
Nos anos de 1963-64, eu estava ensinando Budismo na Universidade de Columbia. A luta liderada pelos budistas em defesa dos direitos humanos levou ao fim o regime do residente Diem. Talvez vocês tenham ouvido falar do Venerável Thich Quang Duc que se imolou no fogo e atraiu para si a atenção de todo o mundo ao denunciar a violação dos direitos humanos no Vietnã. Aquele foi um gesto totalmente não-violento em defesa dos direitos humanos. Quando o regime do Presidente Diem caiu, os meus colegas me solicitaram que voltasse para o meu país natal e ajudasse as pessoas.
Assim fiz. Fundei a Universidade Van Hanh e publiquei um livro com o título de Budismo Engajado, uma reunião de vários artigos que havia escrito anteriormente.
Penso que esta seja a primeira vez que vocês tomam conhecimento dessa informação. (risos)
Isto está ocorrendo no início do ano de 1964. Eu havia escrito estes artigos antes destes fatos, mas eu os juntei e os editei sob o título de Budismo Engajado ou Dao Phat di vao cuoc doi. Cuoc doi significa "vida" ou "sociedade". Di vao significa "entrar".
Assim, estas foram as palavras que utilizei no Vietnã para Budismo Engajado - di vao cuoc doi ("introduzindo-se na vida social").
Seis meses depois, editei um novo livro com o título de Dao Phat hien dai hoa "Budismo Atualizado" ou "Budismo Renovado". Ele era a atualização do budismo chinês. Assim, todos os termos e os documentos estão relacionados com aquilo que denomino "Budismo Engajado". Após a edição deste livro, escrevi muitos outros livros tal como o Budismo do Amanhã. (risos)
No entanto, já naquela época, o meu nome fora banido do país pelo governo do Vietnã do Sul, um governo anticomunista, por causa das minhas atividades pela paz e pela reconciliação entre as regiões norte e sul. Eu me tornei uma persona non grata. Eu não poderia voltar para o meu país natal e deveria me considerar no exílio.
Assim, o meu livro Budismo do Amanhã não poderia ser publicado no Vietnã com o meu nome. Utilizei um nome originário da região das montanhas - "Bsu Danlu". Vocês poderão se admirar de onde este nome se originou. No ano de 1956, fundamos um centro de prática nas montanhas altas do Vietnã e que foi denominado de Monastério das Folhas de Palmeira Perfumadas – Phuong Boi. Compramos a terra de dois habitantes destas montanhas K'briu e K'broi. O nome da aldeia onde o monastério estava situado era Bsu Danlu.
Sabedoria Aqui e Agora
Continuei a publicar os meus livros no Vietnã com muitos outros nomes. Escrevi e publiquei uma história do budismo vietnamita em três densos volumes com o nome de
Nguyen Lang. Assim, embora estivesse fora do país por trinta e nove anos, continuei a escrever livros e alguns deles foram publicados no Vietnã sob nomes diferentes.
Como dissemos, o primeiro significado de Budismo Engajado é o tipo de budismo que está presente em cada momento de nossas vidas diárias. Enquanto você escova os dentes, o budismo deve estar presente. Enquanto você dirige o seu carro, o budismo deve estar presente. Enquanto você caminha pelo supermercado, o budismo deve estar presente de forma a que você saiba o que comprar e o que não comprar.
Além disso, o Budismo Engajado é o tipo de sabedoria que responde a tudo o que acontece aqui e agora – o aquecimento global, as alterações climáticas, a destruição do nosso ecossistema, a falta de comunicação, as guerras, os conflitos, os suicídios, os divórcios, etc. Enquanto praticantes da plena consciência, temos que estar cientes do que acontece com o nosso corpo, com os nossos sentimentos, com as nossas emoções e com o meio em que vivemos. Isto tudo é o Budismo Engajado. Ele é o tipo de Budismo que responde ao que acontece aqui e agora.
Uma nova compreensão sobre as Quatro Nobres Verdades
Podemos falar sobre o Budismo Engajado em termos das Quatro Nobres Verdades. A Primeira Nobre Verdade é dukkha – mal-estar. Tradicionalmente, os mestres budistas têm falado da Primeira Nobre Verdade desta forma - a velhice é sofrimento, a doença é sofrimento, a morte é sofrimento, a separação de quem se ama é sofrimento, abandonar a quem se ama é sofrimento e desejar algo e não obtê-lo é sofrimento. Porém, estas são formas antigas de descrever as Quatro Nobres Verdades. Hoje, quando praticamos a plena consciência, temos que identificar o tipo de mal-estar que realmente está presente. Inicialmente, percebemos que há um tipo de tensão no corpo e muito stress. Podemos dizer que o sofrimento de hoje envolve tensão, stress, ansiedade, medo, violência, famílias destruídas, suicídio, guerra, conflito, terrorismo, destruição do nosso ecossistema, aquecimento global, etc.
Deveríamos estar totalmente presentes no aqui e no agora e reconhecer a verdadeira identidade do mal-estar. A tendência natural é esquivar-se do sofrimento e do mal-estar. Não queremos enfrentar o sofrimento e, assim, tentamos escapar dele. No entanto, o Buddha nos recomendava a não proceder desta forma. De fato, ele nos encorajava a olhar profundamente a natureza do sofrimento com o objetivo de aprender com ele. O seu ensinamento mostra que, se você não compreende o sofrimento, não poderá compreender o caminho da transformação que conduz à cessação do sofrimento. Todos sabem que a Primeira Nobre Verdade se refere ao mal-estar e a Quarta Nobre Verdade diz respeito ao caminho que conduz à cessação do mal-estar. Sem compreender a Primeira Nobre Verdade, você nunca terá a oportunidade de compreender o caminho que conduz à cessação do mal-estar.
Você deveria aprender a voltar ao momento presente para reconhecer o mal-estar e como ele se apresenta. Quando praticamos e olhamos profundamente para a Primeira Nobre Verdade – o mal-estar – descobrimos a Segunda Nobre Verdade, as suas raízes e a sua gênese.
Cada um de nós tem que descobrir por si próprio as causas do mal-estar. Suponha que estejamos falando da nossa vida agitada – atualmente, temos muito a fazer e muito a alcançar. Tal como um político, um homem de negócios e mesmo um artista, queremos sempre realizar mais e mais. Almejamos o sucesso. Não temos a capacidade de viver profundamente cada momento da nossa vida. Não damos ao nosso corpo uma oportunidade de relaxar e de curar-se.
Se soubermos viver como um Buddha, residindo no momento presente e permitindo que os elementos restauradores e saudáveis penetrem nos nossos corpos, então, não nos tornaremos vítimas do stress, da tensão e dos mais variados tipos de doenças.
Podemos afirmar que uma das raízes do mal-estar é a nossa incapacidade de viver profundamente as nossas vidas a cada momento.
Quando apresentamos muita tensão e irritação, não podemos ouvir as outras pessoas. Não podemos utilizar a fala amorosa. Não podemos remover as percepções erradas. Por essa razão, as percepções erradas originam o medo, o ódio, a violência, etc. Temos que identificar as causas do nosso mal-estar. Esta é uma tarefa muito importante.
Suponha que estejamos falando do suicídio ou das famílias destruídas. Sabemos que quando a comunicação se torna difícil entre o marido e a esposa, entre o pai e o filho, entre a mãe e a filha as pessoas deixam de ser felizes. Muitos jovens entram em desespero e querem suicidar-se. Eles não sabem como tratar o desespero ou as suas emoções e pensam que a única forma de interromper o sofrimento é matar-se a si próprio. Na França, a cada ano, cerca de doze mil jovens cometem suicídio, somente porque não conseguem lidar com as suas emoções tal como o desespero. E os seus pais não sabem como ajudar os seus filhos. Eles não os ensinam a controlar os seus sentimentos e mesmo os professores não sabem como ajudar os seus alunos a reconhecer e a manter sob controle, de forma suave, as suas emoções.
Quando as pessoas não podem se comunicar, elas não se compreendem mutuamente, não percebem o sofrimento dos outros e não vivem o amor e nem a felicidade. A guerra e o terrorismo nascem também das percepções erradas. Os terroristas pensam que os seus adversários estão tentando destruí-los enquanto uma religião diferente, um outro modo de vida e uma nação distinta. Se acreditarmos que a outra pessoa está tentando nos matar, nós procuraremos os meios para matá-la antes que sejamos mortos por ela.
O medo, a compreensão enganosa e as percepções incorretas são o alicerce de todos estes atos violentos. A guerra no Iraque, denominada de antiterrorista, não tem ajudado a reduzir o número de terroristas. De fato, o número de terroristas está aumentando continuamente por causa da guerra. Para eliminar o terrorismo, você tem que eliminar as percepções incorretas. Sabemos muito bem que os aviões, as armas e as bombas não podem eliminar as percepções incorretas. Somente a fala amorosa e a audição compassiva podem ajudar as pessoas a corrigir as suas percepções incorretas. No entanto, as nossas lideranças não estão capacitadas nesses assuntos e elas confiam somente nas forças armadas para eliminar o terrorismo.
Assim, ao olharmos profundamente para estes assuntos, podemos ver a elaboração do mal-estar e as suas raízes. Olhar profundamente significa reconhecer o mal-estar como uma verdade e observar intimamente a sua natureza.
A Terceira Nobre Verdade refere-se à cessação do mal-estar. Isto significa a presença do bem-estar – assim como a ausência da escuridão significa a presença da luz. Quando a ignorância não está mais presente, a sabedoria surge. Quando você remove a escuridão, a luz surge. Assim, a cessação do mal-estar significa a presença do bem-estar que é o oposto da Primeira Nobre Verdade.
Os ensinamentos do Buddha confirmam a verdade de que o bem-estar é possível. Porque existe o mal-estar, o bem-estar é possível. Se o mal-estar é descrito inicialmente em termos de tensão, stress e aflição, então o bem-estar é descrito como claridade, paz e relaxamento – la détente. Com o seu corpo, a sua respiração, os seus pés e a plena consciência vocês poderão reduzir as tensões e produzir relaxamento, claridade e paz.
Podemos falar sobre a Quarta Nobre Verdade em termos muito concretos. Os métodos de prática nos possibilitam reduzir as tensões, o stress e a infelicidade. Os mestres atuais do Dharma podem querer chamá-la de caminho do bem-estar. A cessação do mal-estar significa o início do bem-estar – é assim tão simples! Partindo de muitos Deuses para nenhum Deus Eu gostaria de voltar um pouco na história do Budismo Engajado.
Nos anos 1950, comecei a escrever porque as pessoas precisavam de uma direção espiritual que as ajudasse a superar a enorme confusão existente. Um dia escrevi sobre o relacionamento entre as crenças religiosas e os caminhos que trilhamos em nossa sociedade. Descrevi a história da evolução da nossa sociedade. Inicialmente, a nossa sociedade foi organizada em grupos de pessoas denominadas tribos. Com o passar do tempo, muitas tribos se juntaram e estabeleceram finalmente reinos, administrados por um rei. Então, chegou o momento em que tínhamos muitos reis e criamos as democracias e as repúblicas.
As nossas crenças religiosas mudaram muito durante este percurso histórico. Em primeiro lugar, tínhamos algo paralelo ao estabelecimento das tribos – o politeísmo, a crença que afirma que existem muitos deuses e cada um deles possui um poder. Você tem a liberdade de escolher um deus para venerar e ele irá protegê-lo contra os outros deuses e contra as outras tribos.
Quando formamos os reinos, as nossas crenças religiosas mudaram também – surgiu o monoteísmo. Existe somente um Deus - o mais poderoso Deus - e você deveria venerar somente um Deus e não muitos deuses.
Quando as democracias surgiram, os reinos deixaram de existir. Neste novo regime político, todos são iguais entre si e confiamos uns nos outros para viver. Este é o motivo pelo qual o monoteísmo está mudando para a crença na interdependência – interser – onde não existe mais lugar para um Deus. Somos inteiramente responsáveis pelas nossas vidas, pelo nosso mundo e pelo nosso planeta. Escrevi sobre estes assuntos durante o tempo em que estava tentando construir o Budismo Engajado.
Surgimento da Ordem do Interser
No ano de 1964, estabelecemos a Ordem do Interser. O seu surgimento é muito significativo. Tínhamos que somente estudar os Quatorze Preceitos ou os Treinamentos da Plena Consciência para compreender o motivo e como a Ordem do Interser foi estabelecida. Naquela época, a guerra transcorria ferozmente. Era um conflito entre ideologias.
A região norte e a região sul tinham cada uma delas a sua própria ideologia. Um lado era marxista-leninista e o outro era personalista e capitalista. Não somente lutávamos por ideologias importadas do exterior, mas também lutávamos com armas importadas do exterior – armas e bombas da URSS, da China e da América. Enquanto Budistas que praticavam a paz, a reconciliação e a irmandade não queríamos aceitar esta guerra. Vocês não podem aceitar uma guerra na qual irmãos matam irmãos com ideologias e armas importadas do exterior.
A Ordem do Interser nasceu como um movimento de resistência espiritual. Ela foi inteiramente baseada nos ensinamentos do Buddha. O Primeiro Treinamento da Plena
Consciência – desapego a pontos de vista e liberdade frente a todas as ideologias – era uma resposta direta para a guerra. Todos os combatentes estavam dispostos a morrer e a matar pelas suas crenças.
O Primeiro Treinamento da Plena Consciência afirmava: "Cientes do sofrimento criado pelo fanatismo e pela intolerância, estamos determinados a não ser idólatras sobre qualquer doutrina, teoria ou ideologia mesmo sendo elas Budistas..." Este foi o rugido do leão!
"Os ensinamentos Budistas são meios que nos orientam e nos ajudam a aprender a olhar profundamente e a desenvolver a nossa compreensão e a nossa compaixão.
Eles não são doutrinas com as quais se lute, mate ou morra". Os ensinamentos do Buddha constantes do Sutra Nipata a respeito de pontos de vista são muito claros. Não devemos nos apegar a nenhum ponto de vista e temos que transcender a todos eles.
A Visão Correta, antes de tudo, significa a ausência de todos os pontos de vista. O apego a pontos de vista é uma fonte de sofrimento. Suponha que você suba uma escada e no quarto degrau pense que já atingiu o grau mais elevado. Você estará preso a este pensamento! Você tem que se livrar do quarto degrau para ser capaz de ir para o quinto degrau. Sendo científico, os cientistas têm que se livrar do que descobriram para que possam obter uma verdade mais elevada. Este é o ensinamento do Buddha - Quando você considera algo como sendo a verdade e você se apega a ela, você deve abandoná-la para obter um nível mais elevado.
A noção básica do Budismo é o desapego com relação a pontos de vista. A sabedoria é não apegar-se a pontos de vista. O insight não é um ponto de vista. Nós deveríamos estar prontos para abandonar as nossas idéias para que o verdadeiro insight seja possível. Suponha que você tenha noções sobre a impermanência, o nãoself, o interser e as Quatro Nobres Verdades. Isto pode ser perigoso, pois isto tudo são somente pontos de vista. Você está muito orgulhoso porque conhece algo sobre as Quatro Nobres Verdades, sobre o interser, sobre a originação interdependente, sobre a plena consciência, sobre a concentração e sobre o insight. Mas, este ensinamento é somente um meio para que você obtenha o insight. Se você estiver apegado a estes ensinamentos, você estará perdido. O ensinamento sobre a impermanência, o não-self e o interser existem para ajudá-lo a obter o insight da impermanência, do não-self e do interser.
O Buddha afirmava "O meu ensinamento é como um dedo apontando para a Lua.
Você deve agir com habilidade. Você olha na direção apontada pelo meu dedo e poderá ver a Lua. Se você considerar o meu dedo como a Lua, você nunca verá a Lua". Assim o BuddhaDhamma não é a verdade. Ele é somente um instrumento para que você obtenha a verdade. Esta é uma noção elementar do Budismo. A guerra é o resultado do apego a pontos de vista e ao fanatismo. Se você olhar profundamente na natureza da guerra do Iraque, você poderá ver que ela é também uma guerra religiosa. As pessoas estão utilizando as suas crenças religiosas para sustentar esta guerra. O Presidente Bush é apoiado por muitos cristãos ortodoxos que preconizam a doutrina evangelista. A oposição aos combatentes e aos terroristas no Iraque é endossada pelas crenças cristãs com relação ao Islam. Assim, esta é de qualquer maneira uma guerra religiosa. A paz não poderá existir se mantivermos o nosso fanatismo com relação aos nossos pontos de vista.
A flor de lótus em um mar de fogo
No ano de 1965, escrevi um pequeno livro sobre a guerra do Vietnã. O seu título era Vietnam: Lotus in a Sea of Fire (Vietnã. Flor de Lótus em Mar de Fogo) publicado pela Editora Hill e Wong nos EUA e pela Editora Paz e Terra no Brasil. A guerra transcorria furiosamente no Vietnã e se parecia com um mar de fogo. Estávamos matando uns aos outros e permitindo que os bombardeiros norte-americanos viessem e destruíssem as nossas florestas e o nosso povo. Nós permitíamos a entrada das armas chinesas e russas. O Budismo tentava fazer algo contra a guerra. Aqueles entre nós que não aceitavam a guerra queriam fazer algo para resistir a ela. E algumas vezes tínhamos que nos imolar para dizer às pessoas que não queríamos aquela guerra.
Os budistas não possuíam estações de rádio ou de televisão. Não havia meios disponíveis com os quais eles pudessem se expressar. Quem quer que esteja me ouvindo, que seja você a minha testemunha: Eu não aceito esta guerra, deixe-me dizer isto mais uma vez antes que eu morra.
Os nossos inimigos não são os homens.
Estas são algumas linhas de meus antigos poemas. Os nossos inimigos são a raiva, o fanatismo e a violência. Os nossos inimigos não são os homens. Se matarmos os homens, com quem viveremos?
O movimento pela paz no Vietnã possuía um apoio internacional muito escasso, pois vocês mal podiam ouvir o que dizíamos. Por causa disso, tínhamos que nos imolar vivos para dizer a vocês que não queríamos aquela guerra. Por favor, nos ajudem a parar com esta guerra e com o assassinato de irmãos por irmãos!, dizíamos na época. O Budismo era como uma flor de lótus tentando sobreviver em um mar de fogo. Eu traduzi o livro Vietnã. Flor de Lótus em Mar de Fogo para a língua vietnamita e um amigo americano pertencente ao movimento pela paz me ajudou a trazer o livro para o Vietnã. O livro foi impresso de forma ilegal e muitos jovens tentaram divulgá-lo e distribuí-lo como um ato de resistência à guerra.
A nossa irmã Chan Khong, uma professora de biologia da Universidade Hue, trouxe uma cópia do livro para uma amiga. Ela foi presa e colocada em uma prisão porque ela possuía uma cópia deste livro. Posteriormente, ela foi transferida para uma prisão em Saigon.
A Escola de Serviço Social para a Juventude
Meus amigos jovens pediam que eu publicasse os meus poemas sobre a paz. Eles os denominavam de poesia anti-guerra. Eu concordei com estes jovens e disse-lhes que se quisessem publicá-los que o fizessem. Eles reuniram cinqüenta ou sessenta poemas sobre a paz e os submeteram ao governo do Vietnã do Sul. Cinqüenta e cinco poemas foram censurados. Somente alguns poucos restaram autorizados para publicação. No entanto, os nossos amigos não se desencorajaram e publicaram os poemas ilegalmente. Este livro de poesias vendeu muito bem! Mesmo alguns policiais da polícia secreta do Vietnã do Sul gostavam dele, porque estes policiais também sofriam com a guerra. Os meus amigos jovens iam até as livrarias e diziam "Vocês não devem deixar estes livros à mostra! Vocês devem escondê-los atrás do balcão". (risos)
As estações de rádio de Saigon, Hanói e Pequim começaram a atacar os poemas porque eles pediam a paz. Ninguém queria a paz. Todos queriam lutar até o fim. No ano de 1964, fundamos uma Escola de Serviço Social para a Juventude. Ensinamos milhares de jovens, incluindo monges e monjas, a irem para a zona rural e ajudarem os camponeses na reconstrução das suas aldeias. Ajudávamos os alunos em quatro aspectos: educação, saúde, economia e organização. Nossos trabalhadores sociais iam para as aldeias, brincavam com as crianças e ensinavam-nas a ler, a escrever e a cantar. Quando as pessoas das aldeias passavam a nos admitir em seu convívio, sugeríamos a construção de uma escola para as crianças. Uma família doava os bambus e outra família doava as folhas de côco para a construção da cobertura da escola. Assim, iniciávamos a construção de uma escola. Os nossos trabalhadores não ganhavam um salário. Após a construção da escola na aldeia, construíamos um dispensário onde podíamos distribuir remédios rudimentares que ajudassem os moradores das aldeias. Levávamos para as aldeias os estudantes de medicina ou um médico e tentávamos ajudar os moradores durante um ou dois dias. Também
organizávamos cooperativas e tentávamos ajudar os aldeões no trabalho da produção de artesanato para que ele pudesse aumentar a renda da família.
Tínhamos que começar com nós mesmos. A escola de Serviço Social para a Juventude foi fundada com o espírito de que não precisávamos esperar pela ajuda governamental.
Uma Nova Organização da Juventude na Europa
Ensinamos muitos jovens e inclusive jovens monges e monjas. Finalmente, tínhamos mais de dez mil trabalhadores desde Quang Tri até a região sul. Durante a guerra, éramos responsáveis por mais de dez mil órfãos. Todos estes jovens faziam parte do Budismo Engajado.
Neste ano de 2008, pretendemos estabelecer uma organização de jovens budistas na Europa – Jovens Budistas para uma Sociedade Saudável e Compassiva. Muitos jovens vêm até nós para participar de nossos retiros na Europa, na América e na Ásia.
Agora, queremos organizar estas pessoas. Elas utilizarão os Cinco Treinamentos para a Plena Consciência como a sua prática e se comprometerão com a ajuda na construção de uma sociedade mais saudável e mais compassiva. Se os meus amigos, aqui, sentem-se inspirados pela idéia, quando voltarem para as suas casas, por favor, convidem os jovens para estabelecer um grupo dos Jovens Budistas para uma Sociedade Saudável e Compassiva.
Nos mês passado de abril de 2008, fomos para a Itália e tivemos um dia de prática com os jovens na cidade italiana de Nápoles. Quinhentos jovens, homens e mulheres, que vieram até nós gostaram muito dessa idéia. Eles estão prontos para se comprometer com a prática da paz e com a ajuda na construção de uma sociedade mais saudável e mais compassiva.
Nossos jovens monges e monjas se envolverão também na construção dessa organização.
Fundação de um Instituto Europeu de Budismo Aplicado
Fundamos também um Instituto Europeu de Budismo Aplicado. Espero que, durante este retiro, nossa Irmã Annabel possa apresentar para vocês o Instituto Europeu de Budismo Aplicado. Deveremos também ter alguns campi do Instituto na América e na Ásia. Quem quer que tenha completado com sucesso o retiro de três meses em Plum Village ou no Monastério de Deer Park receberá um certificado emitido pelo Instituto.
Este Instituto irá oferecer muitos cursos interessantes. Vocês poderão ajudar na organização de cursos nas suas áreas de atuação e nós enviaremos um mestre do Dharma. Um exemplo de curso é aquele de vinte e um dias para jovens rapazes e moças que estão se preparando para constituir uma família. Nele, estes jovens aprenderão a como manter uma vida conjugal de forma satisfatória.
Haverá cursos para aqueles indivíduos que têm um diagnóstico de AIDS ou de câncer, de forma que eles possam aprender a viver com as suas doenças. Se você souber como aceitar e viver com a sua doença, você será capaz de viver vinte, trinta ou mais anos. Haverá, também, cursos para homens de negócios, para professores escolares, etc.
Estes certificados de conclusão dos cursos poderão ajudar a todos a se tornar professores oficiais do Dharma. Algum dia, vocês poderão ser inspirados a se tornar um professor do Dharma, a saírem de suas casas, a ajudarem as pessoas a serem uma continuação do Buddha.
Nos dias de hoje, utilizamos a expressão "Budismo Aplicado" que é somente outra maneira de se referir ao Budismo Engajado.

(Palestra transcrita por Greg Server e editada por Janelle Combelic e Irmã Annabel.)

Um comentário:

  1. Gostei muito da iniciativa de termos essa sessão de práticas no blog. Esses breves textos serão sementinhas muito inspiradoras para meu dia-a-dia.
    Muito obrigada!
    Muita paz, sorrisos e flores de lótus a todos,
    Denise

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