quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Respire! Você Está Vivo

O Sutra sobre a Plena Consciência na Respiração

Seção 1 - Eu ouvi essas palavras do Buda certa vez, quando ele estava em Savatthi¹ no Eastern Park com muitos discípulos conhecidos e realizados, inclusive Sariputta, Mahamoggallana, Mahakassapa, Mahakaccayana, Mahakotthita, Mahakappina, Mahacunda, Anuruddha, Rewata e Ananda. Na comunidade, os bhikkus² seniores diligentemente instruíam os bhikkus novos na prática - alguns instruíam dez estudantes, outros, uns trinta e alguns, quarenta; e dessa maneira os bhikkus novatos na prática foram aos poucos conseguindo grande progresso. Naquela noite a lua estava cheia e a Cerimônia de Pavarana³ foi realizada para marcar o fim do retiro da estação das chuvas. O Senhor Buda, o Desperto, estava sentado ao ar livre com os discípulos reunidos em torno dele. Depois de olhar pausadamente para a assembléia, começou a falar:
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"Oh bhikkus, é um prazer constatar os frutos que alcançaram com suas práticas. E sei que ainda podem fazer mais progresso. O que vocês ainda não alcançaram, podem alcançar. O que ainda não realizaram, podem realizar perfeitamente. [Para encorajar seus esforços] ficarei aqui até a próxima lua cheia4".
Quando ouviram que o Senhor Buda ia ficar em Savatthi por mais um mês, os bhikkus de todo o país começaram a se dirigir para lá a fim de estudarem com ele. Os bhikkus seniores continuaram a ensinar os bhikkus novatos a praticarem com mais determinação. Alguns estavam instruindo dez discípulos, outros vinte, outros trinta e alguns quarenta. Com essa ajuda, os bhikkus mais novos, pouco a pouco, continuaram progredindo no conhecimento.
Quando o dia da próxima lua cheia chegou, o Buda, sentado a céu aberto, olhou para a assembléia de bhikkus e começou a falar:
"Oh bhikkus, nossa comunidade é pura e boa. Em seu coração não existe conversa inútil e pretensiosa, e, portanto, merece receber oferendas e ser considerada um campo de mérito5. Uma comunidade assim é rara, e qualquer peregrino que a esteja procurando, não importa quanto tenha de viajar, vai descobrir que valeu a pena.
Nesta assembléia existem bhikkus que já realizaram o fruto do estado de Arahat6, destruíram todas as raízes da aflição7, largaram todos os fardos e alcançaram compreensão correta e emancipação. Há também bhikkus que já eliminaram as cinco primeiras formações internas8 e realizaram a condição de nunca mais passar pelo ciclo de nascimento e morte9.
Existem aqueles que abandonaram as três primeiras formações internas e realizaram o fruto de retornar mais uma vez10. Eliminaram as raízes da cobiça, do ódio e da ignorância, e só precisam voltar para o ciclo de nascimento e morte mais uma vez. Existem os que eliminaram as três formações internas e realizaram o fruto daquele que entra no fluxo11, dirigindo-se firmemente para o Estado Desperto. Existem os que praticam os Quatro Estabelecimentos da Plena Atenção12. Exitem aqueles que praticam os Quatro Esforços Corretos13 e os que praticam as Quatro Bases do Sucesso14. Existem os que praticam as Cinco Faculdades15, os que praticam os Cinco Poderes16, aqueles que praticam os Sete Fatores do Despertar17, os que praticam o Caminho Óctuplo18. Existem os que praticam a bondade amorosa, os que praticam a compaixão, aqueles que praticam a alegria e aqueles que praticam a equanimidade19. Existem os que praticam as Nove Contemplações20 e os que praticam a Observação da Impermanência. Existem também bhikkus que já praticam a plena consciência na respiração".

Notas:
¹Savatthi: a capital do reino de Kosala, que fica cerca de 75 milhas a oeste de Kapilavatthu (sânscrito: Sravasti e Kapilavastu).

²Bhikku: monge

³A cerimônia de Pavarana era realizada no fim de cada retiro da estação das chuvas, o retiro anual de três meses para monges budistas. Durante a cerimônia, cada monge presente convidava a assembléia para apontar as fraquezas que ele havia demonstrado durante o retiro. A lua cheia marcava o fim do mês lunar. Normalmente, o Pavarana era realizado no fim do mês de Assayuja (mais ou menos em outubro), porém durante o ano em que esse sutra foi ensinado o Buda estendeu o retiro para quatro meses e a cerimônia foi realizada no fim do mês de Kattika (em torno de novembro).

4O dia da lua cheia do quarto mês de retiro (Kattika) chamado Komudi, ou dia do Lótus Branco, assim chamado porque komuda é uma espécie de lótus branco que floresce no fim do Outono.

5Campo de mérito: apoiar uma comunidade boa, como plantar sementes em um solo fértil, é um bom investimento.

6Arahat (sânscrito: Arhat): a mais elevada realização de acordo com as tradições do budismo primitivo. Arahat significa digno, merecedor de respeito. Um Arahat é alguém que arrancou as raízes de todas as causas da aflição e não está mais sujeito ao ciclo de nascimento e morte.

7Raiz da Aflição (sânscrito: klesa; pali: klesa). As cordas que escravizam a mente, como: cobiça, raiva, ignorância, desdém, suspeita e visões errôneas. É o equivalente a Asava (pali): sofrimento, dor, venenos da mente, causas que nos sujeitam a nascimento e morte, como apego, visões errôneas, ignorância.

8Isto é, as cinco primeiras das Dez Formações Internas (sânscrito: Samyojana): (1) apanhado na visão errônea do self, (2) hesitação, (3) apanhado em proibições e rituais supersticiosos, (4) apego, (5) ódio e raiva, (6) desejo dos mundos da forma, (7) desejo dos mundos do sem forma, (8) orgulho, (9) agitação e (10) ignorância. Esses são os nós que nos amarram e mantêm prisioneiros de nossa situação mundana. No Mahayana, as Dez Formações Internas são relacionadas na seguinte ordem: desejo, ódio, ignorância, orgulho, hesitação, crença em um self real, visões extremas, visões errôneas, visões pervertidas, visões advogando proibições desnecessárias. As cinco primeiras são chamadas "obscuras" e as cinco últimas, "aguçadas".

9Fruto do Nunca Retornar (Anagami-phala): o fruto, ou realização, se refere somente ao fruto da condição de Arahat. Os que realizam o Fruto do Nunca Retornar não voltam depois dessa vida para o ciclo de nascimento e morte.

10Fruto de Retornar Mais Uma Vez (Sakadagami-phala): o fruto, ou realização, logo abaixo do Fruto do Nunca Retornar. Aqueles que realizam o Fruto de Retornar Mais Uma Vez voltarão para o ciclo de nascimento e morte apenas mais uma vez.

11O Fruto do Que Entra na Corrente (Sotapatti-phala): o quarto fruto mais elevado, ou realização. Os que alcançam o Fruto do Que Entra na Corrente são considerados como tendo entrado no Fluxo da Mente Desperta, que sempre flui para dentro do Oceano da Emancipação.

12Os Quatro Estabelecimentos da Plena Atenção (Satipatthana): (1) consciência do corpo no corpo, (2) consciência dos sentimentos nos sentimentos, (3) consciência da mente na mente, (4) consciência dos objetos da mente nos objetos da mente. Para mais explicações, veja Transformation and Healing: The Sutra on the Four Establishments of Mindfulness, Thich Nhat Hanh (Berkeley: Parallax Press, 1990).

13Quatro Esforços Corretos (pali: padhana): (1) não permitir que surja qualquer ocasião de ação maléfica, (2) uma vez que surja, encontrar os meios para liquidá-la, (3) fazer a ação correta surgir quando ainda não surgiu, (4) encontrar a maneira de desenvolver a ação correta e, depois que surgir, torná-la duradoura.

14Quatro Bases de Sucesso (iddhi-pada). quatro caminhos que levam à realização de uma mente forte: diligência, energia, plena consciência e penetração.

15Cinco Faculdades (indriyana): cinco capacidades, ou habilidades: (1) confiança, (2) energia, (3) estabilidade meditativa, (4) concentração meditativa, e (5) compreensão verdadeira.

16Cinco Poderes (bala): o mesmo que as Cinco Faculdades, mas vistos mais como forças do que habilidades.

17Sete Fatores do Despertar (bojjhanga): (1) plena atenção, (2) investigação dos darmas, (3) energia, (4) alegria, (5) tranqüilidade, (6) concentração, (7) soltar. Estes são discutidos na Seção Quatro do sutra.

18O Nobre Caminho Óctuplo (atthangika-magga): a maneira correta de praticar contém oito elementos: (1) Visão Correta, (2) Intenção Correta, (3) Fala Correta, (4) Ação Correta, (5) Maneira de Viver Correta, (6) Esforço Correto no caminho, (7) Consciência Correta, (8) Concentração Meditativa Correta.

As práticas acima, dos Quatro Estabelecimentos da Plena Consciência até o Nobre Caminho Óctuplo, num total de 37, são chamadas bodhipakkhiya dhamma, os Componentes do Despertar.

19Bondade amorosa, compaixão, alegria e equanimidade (brama-vhiara): quatro estados da mente belos e preciosos que não estão sujeitos a nenhuma limitação, e são geralmente chamados de Quatro Meditações Sem Limites. Bondade amorosa é dar alegria. Compaixão é remover o sofrimento. Alegria é felicidade e alegria na alegria dos outros. Equanimidade é renúncia, sem calcular ganho ou perda, sem apego a crenças tais como a verdade, sem raiva nem tristeza.

20Nove Contemplações: a prática da contemplação sobre os nove estágios de desintegração de um cadáver, do momento em que ele começa a inchar até se tornar pó.

Respire! Você Está VivoThich Nhat HanhEditora Vozes

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