quarta-feira, 18 de março de 2009

Sobre Caças e Caçadores


Queridos amigos, o texto lido em nosso último encontro, "trata-se de uma carta coletiva escrita durante o Retiro de Inverno 2008/9. Plum Village encontra-se numa região rural, cercada por vinhedos e plantações de girassóis, e muitos bosques. Em alguns destes bosques é permitida a caça, e às vezes, de Plum Village ouvimos os tiros dos caçadores. Ou então, quando vamos fazer meditação caminhando nestes bosques, deparamo-nos com as armadilhas e as torres de observação utilizadas pelos caçadores. Dentro da tradição de Budismo Engajado nasce esta iniciativa de Plum Village, através do monge Pháp An, de oferecer uma alternativa pacífica à caça esportiva, olhando em profundidade todo o contexto de interser que dá origem a essa atividade. Esta carta foi traduzida para diversos idiomas e tem sido compartilhada com Sanghas ao redor do mundo, que depois fornecem feedback a Plum Village. Traduzi e me comprometi com o Pháp An de compartilhar a iniciativa dele com a Sangha brasileira, como já fizemos na reunião de domingo, e tanto melhor que agora ela ganhe a internet e colha mais participações.Esta carta insere-se também no tema do Retiro de Inverno, que foi "Os passos do Buda: a contribuição budista para uma ética global". Thây nos convida como Sangha mundial a reescrever os Cinco Treinamentos da Plena Consciência, e passamos todos os três meses do retiro trabalhando nisso, durante cada Compartilhar do Dharma . Uma primeira versão saiu ao fim do Retiro de Inverno, para ser de novo trabalhada durante o Retiro da Primavera, 21 dias em Junho, e então teremos a estréia dos novos Cinco Treinamentos da Plena Consciência em Julho, durante o Retiro de Verão. Como muito bem dito na carta, trata-se de "encontrar e utilizar meios hábeis de mover-nos de uma visão correta na direção da ação correta, através do discurso correto." Gostaria que essa carta inspirasse nossa Sangha a refletir, a contribuir e a agir. (Texto: Marcelo de Abreu - Foto: Leonardo Dobbin)
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Caro Thây, cara comunidade, caros amigos, Irmão Phap An tem uma idéia, uma visão, a qual tem compartilhado com inúmeros praticantes, vindos de distintos paises e meios culturais e sociais, e que estão passando o Retiro de Inverno no templo de Son Ha, Plum Village, França. Hoje gostaríamos de compartilhar esta visão com Thây, com a comunidade, com membros da Ordem do Interser e praticantes de Sanghas laicas locais, pedindo que nos ajudem a tentar dar vida e substância a esta idéia. É sobre caça e caçadores. Desfrutamos profundamente passear pelas florestas, e estamos cientes de que caçadores e associações de caça participam significativamente na manutenção de trilhas e da acessibilidade à mata, tornando possível caminhar ali. Estamos cientes de que a motivação dos caçadores é o amor à natureza, a busca do contato com a natureza e com suas próprias raízes. Em tempos passados, nossos ancestrais tinham de caçar para alimentar-se, e às suas famílias. Atualmente, entretanto, os tempos mudaram e, num país desenvolvido, não mais precisamos caçar para alimentar nossas famílias. De caçadores coletores, nossos ancestrais tornaram-se fazendeiros e pastores; mantiveram porém e nos transmitiram o desejo pela liberdade e proximidade com a natureza selvagem, que talvez só seja verdadeiramente conhecida por caçadores coletores. Também estamos cientes de que nossos ancestrais atravessaram muitas guerras, mortandades, massacres, algumas vezes como presas e outras como predadores, e que as sementes da violência e do terror experienciados por eles estão presentes em cada um de nós. Estamos cientes, ainda, da degradação do meio-ambiente e da violência associada ao uso de armas, no presente. Neste contexto, como podemos reconciliar, hoje em dia, a nobre aspiração de viver livremente em contato com a natureza, com respeito pela vida e pela natureza em todos os aspectos, incluindo animais, plantas e minerais? Como podemos transmitir a nossos filhos e descendentes a rica herança que nos foi dada por nossos ancestrais, sem ao mesmo tempo transmitir-lhes todo o sofrimento associado à violência, guerras, mortandades, massacres, que nossos ancestrais atravessaram?
Aqui podemos manifestar nossa visão, nosso projeto:
Propondo, localmente, através das Sanghas laicas locais de Plum Village, em tantos lugares do mundo quanto possíveis, para associações ligadas ao meio-ambiente, à caca, e para associações de fotógrafos amadores, tornarem-se parte de uma campanha que poderia ser chamada: OS CAÇADORES DE IMAGENS
Esquema desta campanha: Competição de fotografia de animais vivendo em seu habitat natural. Serão convidados a participar: - caçadores, familiarizados com os animais e seu meio-ambiente, - fotógrafos amadores, - todos os amantes da natureza. - Um júri pode selecionar fotos baseadas em critérios artísticos e na representação do meio-ambiente e comportamento dos animais. - Tal júri pode ser composto por membros de grupos para conservação do meio-ambiente, associações de caça e fotógrafos profissionais. - Os prêmios incluiriam câmeras e outros equipamentos de alta qualidade, doados por patrocinadores, encorajando os participantes a desenvolver seus talentos. - Um site na internet pode ser criado a fim de compartilhar as fotos e as experiências dos participantes. Nossos objetivos: - Promover a proteção à vida e ao meio-ambiente através da arte e da ciência da fotografia; - Ajudar caçadores e todos os amantes da natureza a reconhecer que compartilham o amor pela natureza e o desejo de conservar e proteger nossa herança comum; - Facilitar a comunicação construtiva e amistosa e o compartilhar de conhecimento entre pessoas (por exemplo, caçadores poderiam compartilhar com os habitantes urbanos seus conhecimentos sobre a floresta; fotógrafos amadores poderiam compartilhar seu conhecimento e paixão pela fotografia; aqueles que amam a vida poderiam compartilhar seu cuidado e respeito à vida em todas as suas formas); - Desenvolver a consciência da importância cultural, histórica e ecológica de proteger e transmitir a nossas crianças espaços naturais livres e protegidos de toda violência. Nota 1: Fotografar animais vivendo livremente na natureza requer grande paciência e concentração, as quais são qualidades de um verdadeiro caçador; também requer humildade e compaixão, que são qualidades de um verdadeiro ser humano. Nota 2: Não se pode empunhar uma arma e uma câmera ao mesmo tempo. Desejamos encorajar nossos irmãos caçadores a trocar suas armas por uma câmera, e regar suas sementes de compaixão, estimulando-os a reconhecer o valor da vida e a curar as feridas da violência em nossa consciência coletiva. Voila, apresentamos assim nossa visão, nosso projeto. Este projeto pode ser traduzido e apresentado a Sanghas ligadas a Plum Village em todo o mundo, como um exercício e proposta de colocar em prática aquilo que chamamos de Budismo Engajado. Tal exercício pretende colocar em prática: - Ética: proteger a vida e o meio-ambiente; - Olhar em profundidade: enxergar a relação de interser entre homens e natureza, entre caçadores e ativistas ecológicos, e entre todos nós, incluindo nossos ancestrais e descendentes; - Discernimento: capacitar-nos a encontrar e utilizar meios hábeis de mover-nos de uma visão correta na direção da ação correta, através do discurso correto. Obrigado por sua resposta e por oferecer-nos sugestões.
Participaram da preparação e várias traduções deste projeto: Kelsang Jampel (USA), David (Canadá), Ricardo (Itália), Robert (Alemanha), Bart e Yuri (Bélgica e México), Karel, Gerard (Holanda), Gerard (Catalunha), Gregorio (Espanha), Marcelo (Brasil), Phap An (França)

2 comentários:

  1. “Achei muito louvável a idéia do monge Pháp An, "Os Caçadores de Imagens".
    E que tal se como prêmio tivéssemos a publicação de 12 fotos escolhidas em um calendário para 2010?
    A venda do calendário poderia reverter para salvar animais em perigo de extinção ou para instituições que recolhem animais (não sei se isto seria muito complexo ou até se seria realmente adequado, já que envolve dinheiro).”

    Muitos abraços e sorrisos para todos!
    Béa

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  2. Adorei a sugestão. Vamos pedir para o Marcelo encaminhá-la para o monge Pháp An.
    Um ótimo dia a todos,
    José Guilherme

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