quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

O Porão e a Sala de Estar

Na reunião desse último domingo, lemos e discutimos um trecho do livro Aprendendo a Lidar com a Raiva, do mestre Thich Nhat Hanh, publicado pela Ed. Sextante, que trata da importância da plena consciência para abraçar e cuidar de nossas energias negativas.

Durante nossas discussões, propusemos que esta semana estejamos atento à nossa raiva, procurando identificar seu surgimento e suas causas. Leiam ou releiam o texto estudado e bom proveito.

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O porão e a sala de estar
Vamos representar a nossa consciência como uma casa. Podemos identificar duas partes: o porão é a consciência de armazenagem e a área social é a consciência da mente. As formações internas, como a raiva, encontram-se na consciência de armazenagem – no porão – sob a forma de uma semente. Quando ouvimos, vemos, lemos ou pensamos em algo que toque a semente, ela se manifesta no nível da mente consciente – a sala de estar -, fazendo a atmosfera da sala ficar pesada e desagradável. Quando a energia da raiva se faz presente, nós sofremos.
Sempre que a raiva se manifesta, o praticante de meditação imediatamente convida a energia da plena consciência também a se manifestar, através da prática do andar ou da respiração conscientes. Desse modo, outra zona de energia – a energia da plena consciência – é criada, restabelecendo a leveza da sala de estar. É extremamente importante aprender a prática de andar, respirar, fazer qualquer atividade do nosso cotidiano com plena consciência. Desse modo, sempre que uma energia negativa se manifestar, saberemos como gerar a energia da plena consciência para abraçá-la e cuidar dela.

A mente também precisa de uma boa circulação
Nosso corpo contém toxinas e, quando o sangue não circula bem, essas toxinas se acumulam em certos lugares. Para permanecer saudável, nosso organismo precisa expelir essas toxinas. A massagem estimula a circulação do sangue. Quando o sangue circula bem, ele é capaz de nutrir órgãos como os rins, o fígado e o pulmão para que eles possam expulsar as toxinas do corpo. Por conseguinte, é importante termos uma boa circulação. Beber muita água e praticar a respiração profunda também ajuda a expelir toxinas do corpo, através da pele, do pulmão, da urina e das fezes. Todas as práticas que ajudam a eliminar toxinas do nosso sistema são extremamente importantes.
Suponhamos agora que certa parte do meu corpo esteja doendo muito, porque uma grande quantidade de toxinas se acumulou nesse local. Esse ponto é doloroso cada vez que o tocamos, como também causa dor quando tocamos um nó interno na mente. Quando nos dedicamos à prática da plena consciência, usamos essa energia para massagear uma formação interna. Você pode ter um bloco de sofrimento, dor, mágoa ou desespero em você, e ele é uma toxina na sua consciência. Você precisa praticar a plena consciência para poder abraçar e transformar essa toxina.
Abraçar a dor e a mágoa com a energia da plena consciência é exatamente a prática de massagear a nossa consciência, tal como fazemos com o nosso corpo. A circulação da nossa consciência pode estar deficiente. Quando o sangue não circula bem, nossos órgãos não conseguem funcionar adequadamente e nossa mente adoece. A plena consciência é uma energia que estimula e acelera a circulação através dos blocos de dor.

Ocupando a Sala de Estar
Nossos blocos de dor, mágoa, raiva e desespero sempre querem subir para a consciência da mente – a sala de estar -, porque cresceram e precisam da nossa atenção. Eles querem emergir, mas não queremos que isso aconteça, porque sentimos dor ao olhar para eles. Tentamos então obstruir seu caminho, querendo que eles continuem adormecidos no porão. Como não desejamos enfrentá-los, enchemos a sala de estar com outros convidados. Mas acontece que sempre que temos dez ou quinze minutos de tempo livre, e não sabemos o que fazer, esses nós internos conseguem subir e fazem uma enorme bagunça na sala de estar. Para evitar que isso aconteça, pegamos um livro, ligamos a televisão, chamamos gente, vamos dar uma volta de carro, fazemos qualquer coisa para encher de novo nossa sala de estar de convidados porque, quando ela está ocupada, as formações internas de que temos medo conseguem sair do porão. Temos mesmo muito medo, porque acreditamos que, se as deixarmos circular e subir, vamos sofrer muito.
Mas as formações mentais precisam circular, e quando as impedimos continuamente, criamos uma má circulação na nossa psique, o que faz aparecer os sintomas de doenças mentais e de depressão. Eles se manifestam tanto no corpo quanto na mente.
Às vezes, quando temos dor de cabeça, tomamos aspirina, mas a dor não passa. Esse tipo de dor de cabeça pode ser sintoma de uma doença mental. De vez em quando temos crises de alergia e pensamos que se trata de um problema físico, mas a alergia também pode ser sintoma de uma doença mental. Se tomamos remédios para eliminar os sintomas, deixamos de tomar contato com nossas formações internas, o que só faz piorar a doença.

Como fazer os convidados indesejáveis se sentirem em casa
Quando removemos os obstáculos e os blocos de dor conseguem subir, sofremos com isso. Não há como evitar esse sofrimento, e foi por esse motivo que Buda disse que temos que aprender a abraçar a dor através da prática da plena consciência. Com isso, geramos uma forte fonte de energia para reconhecer, abraçar e cuidar das energias negativas, dos nós internos. Depois de serem abraçados durante algum tempo, eles voltarão ao porão e se tornarão de novo sementes.
Sempre que você envolve seus nós internos com a plena consciência, os blocos de dor se tornam mais leves e menos ameaçadores. Por isso, envolva todos os dias sua raiva, seu desespero e seu medo com a plena consciência – dedique-se a esta prática. Quando a plena consciência não está presente, é muito desagradável receber a visita dessas sementes, mas, se você souber gerar a energia da plena consciência, será muito benéfico convidá-las para subir todos os dias e abraçá-las. Depois de convidá-las para subir durante vários dias ou semanas e ajudá-las a descer de novo, você cria uma boa circulação na sua psique e os sintomas da doença mental começam a desaparecer.
Não tenha medo dos seus nós de sofrimento. Deixe que a plena consciência os massageie, para que eles circulem, e você possa abraçá-los e transformá-los.


“Aprendendo a Lidar com a Raiva – Thich Nhat Hanh – Ed. Sextante”


6 comentários:

  1. Apesar de não frequentar a sangha, venho tentando acompanhar os ensinamentos e os textos que recebo por email. Muito bom agora termos o blog!
    Mas este texto me tocou profundamente, pq hj passei por uma situação onde não soube lidar com minha raiva, que explodiu de uma maneira muito ruim.
    Como tirá-la do porão de vez em qdo para que possa diminuir seu tamanho? Meditando sobre suas causas e efeitos? Rita

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  2. Rita, segundo ensinamentos do Thây, "a primeira função da plena consciência não é lutar, é reconhecer. Ao Inspirar, eu sei que a raiva se manifestou em mim. Olá, minha amiga raiva. E ao expirar: Vou cuidar bem de você."

    Depois de reconhecer nossa raiva, nós a abraçamos. Esta é a segunda função da plena consciência e trata-se de uma prática muito agradável. Em vez de lutar, estamos cuidando bem da nossa emoção. Se você souber abraçar sua raiva, alguma coisa irá mudar.

    Se possível, tente ler o livro "Aprendendo a Lidar com a Raiva - Thich Nhat Hanh - Ed. Sextante". Tenho certeza de que os ensinamentos nele contido serão muito úteis.

    José Guilherme

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  3. Importante acolher a raiva e identificar os motivos que nos fazem gerar este campo escuro ao nosso redor.Os motivos podem estar relacionados ao ego, a baixa estima, ao apego...e é difícil chegar a conclusão que não somos vítimas, que o outro("que nos fez sentir a raiva") é apenas um farol que nos mostra o caminho para o crescimento.
    Se acreditamos na unidade e no interser, a nossa responsabilidade com o outro e com o Planeta é enorme, já que se imaginarmos que este campo escuro é formado por bolinhas escuras,uma bolinha de raiva que eu gero aqui, pode ser a " bolinha estopim " que faltava para a explosão de uma guerra do outro lado do mundo.

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  4. José Guilherme,obrigada por sua explicação! Vou tentar então praticá-la.
    Li "Para viver em Paz" e estou lendo "A Essência dos Ensinamentos de Buda", de mestre Thay. O próximo será com certeza sua indicação.
    Estou muito feliz com este blog, pois agora sei que posso fazer parte desta Sangha, mesmo a distância! Um abraço. Rita

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  5. Carla, obrigada por suas palavras. Pensar que a minha raiva ou irritação pode contribuir para aumentar estes sentimentos no planeta, é mais um bom motivo para controlá-la. Um abraço, Rita.

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  6. No dia em que este texto foi lido no nosso encontro, achei-o maravilhoso , como até hoje venho debruçando sobre ele e refletindo...
    A cada contato que tenho com estes escritos de nosso Mestre,fico maravilhado,pois para mim é inovador,profundo e o mais importante,simples.
    Abraço a todos ...
    Emerson

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