quarta-feira, 1 de abril de 2009

Carta a Todas as Minhas Crianças Espirituais


Queridos amigos,


Estamos muito felizes em poder publicar a belíssima carta do nosso Thây, carinhosamente traduzida pelo nosso querido irmão Marcelo, que mais uma vez nos proporciona esse momento de felicidade pela oportunidade de estarmos cada vez mais perto do nosso Mestre. Tire alguns minutos do seu dia para essa maravilhosa leitura - Deixe o Buda Respirar; Deixe o Buda Ler.
Para apreciar as maravilhosas fotos que acompanham o texto, acessem o link http://compartilhandopv.blogspot.com/2009/03/uma-carta-para-todas-as-minhas-criancas.html
Marcelo nos escreve, ao encaminhar o texto (que segue abaixo): "Gostaria de compartilhar com vocês a tradução da carta que o Thây nos escreveu em dezembro do ano passado. Demorei, eu sei... É um texto um pouco diferente dos livros, das Palestras do Dharma ou mesmo das cartas abertas à sociedade. Como ele mesmo diz, é uma "carta a todas as minhas crianças espirituais", e tem um tom de crônica, mais íntimo, mais afetuoso."
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Uma carta para todas as minhas crianças espirituais, agora que o ano se aproxima do fim

Cabana do Sentar na Calma (Still Sitting Hut), 5 de Dezembro de 2008

Faz sol hoje no Upper Hamlet. Fiz meditação caminhando descendo até o Templo do Sopé da Montanha (Lower Mountain Temple), ao longo da trilha com pinheiros. Da Cabana do Sentar na Calma até a trilha com pinheiros, passei por gramados que estavam cobertos por folhas de carvalho, especialmente ao redor da Cabana da Nuvem Flutuante (Floating Cloud Hut) de Thầy Giác Thanh. O carpete de folhas de carvalho era muito espesso. Havia folhas que ainda estavam frescas, da cor dos robes dos monges Theravada. As árvores deixam cair suas folhas e tornam a terra mais rica – a terra e a árvore nutrem uma à outra – vi isso claramente. Caminhei muito lentamente, para que eu pudesse estar em contato com a dimensão absoluta a cada passo, o que significa estar em contato com o tempo sem fim e o espaço infinito.
Estava caminhando por mim mesmo, mas também caminhava por meu pai e mãe, por meu mestre, meus ancestrais, o Buda, e por você. Não vejo separação entre eu e meus pais, meus ancestrais, o Buda, e você. Tudo está presente a cada passo em plena consciência. A gatha “Deixe o Buda respirar, deixe o Buda caminhar” é muito boa. Quanto mais pratico, mais efetiva se torna; é por isso que a pratico regularmente. Esta gatha também pode ser praticada para outras posições, assim como “Deixe o Buda respirar, deixe o Buda sentar”; “Deixe o Buda respirar, deixe o Buda trabalhar”; “Deixe o Buda respirar, deixe o Buda escovar os dentes”. Esta prática é como a de invocar o nome do Buda. “Buda” aqui não é um título; Buda é um ser humano real que está respirando, caminhando, lavando louças, varrendo o chão...

Lembrei-me de como, recentemente, no tour pela Índia, eu pratiquei “Aqui é Ấn Độ (Índia), Ấn Độ é aqui” ao invés de “Aqui é Tịnh Độ (a Terra Pura), Tịnh Độ (a Terra Pura) é aqui”. Quando fizemos a meditação caminhando na Rajpath Street em Nova Delhi, pratiquei esta gatha; e ao mesmo tempo pratiquei o caminhar para meu pai, mãe, ancestrais espirituais, e para você. Eu pratiquei: “O Buda está caminhando, o Buda está desfrutando; o Buda está feliz, o Buda é livre. Eu estou caminhando, eu estou desfrutando...” E então “meu pai está caminhando, meu pai está desfrutando...” Quando pratiquei para você, convidei-o a andar com os meus pés: “Eu estou caminhando, eu estou desfrutando...” Cada um e todos vocês estiveram presentes comigo durante toda a viagem à Índia.
Minhas crianças, vocês são monásticos (xuất sĩ) e laicos (cư sĩ). “Xuất” significa ir em frente ou sair de, não ter uma posição social elevada, mas ser assimilado pela comunidade monástica. Se a sangha precisa que você vá a algum lugar, então você vai; você não tem um único lugar de morada. “Cư " significa morar; “cư sĩ” também significa “xứ sĩ”, aqueles que não “foram em frente” ou se ordenaram como monásticos, que ainda têm responsabilidade por seus pais mas que também têm a oportunidade de participar da prática e de uma comunidade de quatro partes. As comunidades monástica e laica se apóiam uma à outra, praticando a transformação e ajudando seres vivos. O corpo da sangha é a bela comunidade de quatro partes – monges, monjas, praticantes laicos e praticantes laicas – “tornando reais a harmonia, a plena consciência e a liberação...” O ativista pelos direitos civis Martin Luther King Jr. tinha esperanças de construir uma comunidade assim: uma comunidade que tenha felicidade, irmandade, e também a capacidade de lutar pelo bem da sociedade. Ele a chamava de “adorada comunidade”. É uma pena que ele tenha sido assassinado em Memphis, quando tinha 39 anos de idade, e que esse sonho tão belo em particular não tenha se realizado. Nós somos mais afortunados: somos capazes de construir sanghas por toda a parte, de tal forma que todo lugar se torna a nossa pátria (“O corpo da sangha está por toda a parte; meu verdadeiro lar é aqui mesmo.”) Nós fomos capazes de continuar e de tornar real a aspiração de Martin Luther King: cultivando irmandade em nossa prática diária, vivendo com alegria e ajudando aos outros.

Eu me lembro da última vez em que encontrei o Dr. King, na Suíça, à conferência “Pacem in Terris” organizada pelo Conselho Mundial de Igrejas (World Council of Churches), em 1968. O Dr. King estava hospedado com seu assistente no décimo primeiro andar do grande hotel onde a conferência estava acontecendo. Eu estava no térreo, com um único assistente laico. O Dr. King convidou-me a tomar o desjejum com ele, para que pudéssemos conversar. Porque estive ocupado numa entrevista com a imprensa, atrasei-me por meia hora, mas o Dr. King havia mantido o meu desjejum aquecido. Naquele encontro, tive a oportunidade de dizer a ele: “Nossos amigos no Vietnã o apóiam, e o vêem como a um bodhisattva vivo.” Ele ficou muito feliz ao ouvir isso. Toda vez que me recordo daquele encontro alegro-me por ter dito isso a ele, porque ele foi assassinado uns poucos meses depois.

A trilha de pinheiros que leva ao templo de Sơn Hạ é uma das mais bonitas em Plum Village. Alguma vez você já caminhou nela comigo? Os pinheiros foram plantados para constituírem uma floresta, em colunas, próximos uns aos outros assim como o corpo da sangha – frescos e verdes durante o ano inteiro. Há cerca de 8000 pinheiros naquela floresta. Na estação seca, costumo parar no meio da trilha e sentar-me sobre o carpete de agulhas dos pinheiros. Se há um atendente comigo, então professor e aluno tomam chá juntos antes de se levantarem e continuarem a caminhar.

A cabana em Sơn Hạ onde eu costumo acender o fogo para receber monges e monjas veneráveis, que vêm participar da Grande Cerimônia de Ordenação durante o Retiro de Inverno, costumava ser a casa de uma família de fazendeiros. Por fora parece muito feia; mas por dentro foi reformada de uma maneira adorável e é bastante confortável, especialmente ao redor da lareira na sala de estar. Na chaminé sobre a lareira há uma caligrafia que diz “bois ton thé” – o que significa “beba seu chá”. Em dias frios e de neve, 20 ou 30 de nós se reuniram ali, ao redor da lareira, para beber chá e contar histórias de muitos lugares, pois cada um vem de uma parte diferente. “Nós somos pássaros, que aqui voaram vindos das quatro direções...”
Tive de dar um nome àquela cabana em Sơn Hạ . É feia por fora, mas por dentro é muito bonita. Chamei-a de Cabana Pele de Sapo (Toadskin Hut). Isso mesmo! A pele de um sapo, “peau de crapon” em Francês. Quando Dung, o pai do Irmão Pháp Đôn veio pela primeira vez à cabana ele disse: “Por fora ela se parece com a pele de um sapo, mas por dentro se parece com jóias amarelas.” Você conhece essa frase? É a primeira linha de uma adivinhação: “Pele de sapo por fora, jóias amarelas por dentro. Mesmo de longe, você consegue sentir minha fragrância. Quem sou eu? ” A resposta é: uma jaca madura. Do lado de fora, a casca de uma jaca é saliente como a pele de um sapo; mas por dentro, a fruta madura é amarela e perfumada, e se assemelha a jóias amarelas. Essa adivinhação pode ser das vizinhanças de Hue [Vietnã], por que tem as três palavras “thơm lừng lựng” (perfumada à distância). Então, se minha cabana em Sơn Hạ é pele de sapo por fora, mas se por dentro ela se parece com jóias e ouro, é graças ao trabalho árduo de Hieu, o irmão de sangue do Irmão Pháp Quan. Ele trabalhou bastante, redecorando esse lugar que costumava ser o lar de um fazendeiro pobre. Já estou começando a gostar do nome “Pele de Sapo” – você não acha que é engraçado?
Em uma das antigas lendas [vietnamitas], um rapaz caminhando pelos arrozais vê um sapo e o pula, sem pisar nele. Assim que termina seu pequeno pulo, ouve atrás de si o som de uma mulher jovem pigarreando. Virando-se para olhar, ele se surpreende ao deparar-se com uma linda princesa. Naturalmente, o rapaz e a princesa começam a conversar, e por fim ele a convida para ir até sua casa, para apresentá-la a seus pais. Ele não se esquece de recolher a pele do sapo, levá-la para casa e rasgá-la, de tal forma que a princesa incrivelmente bela não possa entrar novamente na pele rugosa do sapo. Sinto-me tão afortunado quanto esse rapaz. Encontrei muitos sapos rugosos na minha jornada; porém estes sapos, depois de largarem suas peles, tornaram-se príncipes charmosos e princesas irresistivelmente belas. Toda vez que sua bodhichitta se manifesta, você será tão belo quanto um príncipe ou uma princesa. E a imagem da sangha subindo a colina do século é verdadeiramente uma imagem maravilhosa.
Há trilhas de meditação caminhando muito familiares que me aparecem em sonhos. Trilhas no nosso templo-raiz, Từ Hiếu (*), que Thay percorreu quando era ainda um noviço, tornaram-se lendárias e ocasionalmente me aparecem em meus sonhos de encontrar um verdadeiro lar. Minhas crianças em Prajña criaram trilhas semelhantes, e as pedras naquelas trilhas tornaram-se familiares através dos passos em plena consciência de cada príncipe e princesa. “Fragrant Palm Leaves” tinha trilhas assim. “The Hermitage Among the Clouds“ também tinha trilhas assim (1). Deer Park [monastério na Califórnia, na tradição de Plum Village] tem trilhas assim; e no presente, em Blue Cliff [monastério próximo a Nova Iorque] minhas crianças espirituais estão dando passos em plena consciência para cultivar suas próprias trilhas. As antigas trilhas de meditação no Green Mountain Dharma Center e no monastério de Maple Forest [ambos nos EUA] não são menos belas. Fizeram uma canção: “Juntos iremos visitar Green Mountain, ascender ao céu imenso, iremos à casa de chá, caminharemos ao redor do lago...” Por certo, a Terra Pura tem trilhas assim, que sempre ficam em nossa lembrança quando partimos. Você se lembra da trilha da meditação caminhando ao longo do riacho e através do bambuzal, no eremitério?

Esta tarde, sentado no Salão de Meditação da Água Calma (Still Water Meditation Hall), convidei o Buda a respirar com meus pulmões. Eu disse: “Estes são meus pulmões, mas são também os seus pulmões. Por favor, respire à vontade. Meus pulmões ainda são sadios, não se preocupe” – e o Buda respira feliz; ambos respiramos felizes, juntos.

O templo de Sơn Hạ está cercado por florestas, principalmente de pinheiros. Há ali também um lago e um riacho. “Sơn Hạ hữu tuyền, trạc chi tắc dũ” é um verso do Kinh Thuy Sám (Discurso da Água que Cura); isso significa “aos pés da montanha há um riacho; tome a água e lave-se, e suas feridas irão curar-se.” O templo de Sơn Hạ fica aos pés de uma grande colina. Há uma ponte cruzando por sobre a corrente de água, e ao fim da ponte há uma pedra com a seguinte inscrição gravada “Sơn Hạ hữu tuyền...”, em Chinês clássico. Esta grande colina é a colina Thê Nhât; no topo dela fica o templo da Nuvem do Dharma (Dharma Cloud), o Upper Hamlet de Plum Village. O Irmão Nguyên Hái é o abade do templo da Nuvem do Dharma, mas porque ele está ensinando no Vietnã, o Irmão Pháp Đôn está atualmente prestando esse serviço em seu lugar. O Irmão Pháp Sơn é o abade do templo de Sơn Hạ . Ele vem da Espanha e tem também a nacionalidade inglesa, e além de Espanhol ele fala Inglês, Alemão e Francês muito bem. Os praticantes laicos costumam gostar muito do ambiente do templo de Sơn Hạ. Neste inverno (**) temos dezoito retirantes laicos, praticando juntamente com os monges.
Certa vez, durante o retiro de inverno do ano passado, eu banquei o “guia de turismo” e trouxe algumas pessoas subindo pela trilha de pinheiros, desde o templo de Sơn Hạ até o da Nuvem do Dharma. Entretanto, estes “turistas” não me eram estranhos. Eles eram o professor Hoàng Khôi – Chân Đạo Hành e sua esposa Chân Tuệ Hương, ambos alunos muito bons do Thầy. No último inverno, os dois vieram de Sidney para participar do Retiro de Inverno em Plum Village, e ficaram em Upper Hamlet. Estes dois amigos laicos são Professores do Dharma muito bons. Eles transcreveram e editaram muitos dos livros do Thay em Vietnamita, tais como “Illusionary and Real Happiness”, “The Liveliness of Meditation Practice”, etc. (2)
Depois de tomar chá com eles na minha Cabana Pele de Sapo em Sơn Hạ , eu os conduzi através da trilha dos pinheiros até o Upper Hamlet. Disse a eles: “Imaginem que estão indo para o templo da Nuvem do Dharma pela primeira vez. Estou levando vocês para verem um mestre zen numa cabana, a Cabana do Sentar na Calma, no lado leste da colina Thê Nhát, próximo ao templo da Nuvem do Dharma. Se vocês souberem como dar cada passo colina acima em plena consciência, então vocês terão mais oportunidades de encontrar esse mestre, porque geralmente ele pratica meditação caminhando sozinho pelas colinas, algumas vezes colhendo frutos selvagens, outras vezes coletando ervas medicinais (Sư thê dược khứ). Há ocasiões em que ele passa o dia inteiro na floresta e ninguém sabe onde ele se senta, nem mesmo os noviços que são seus atendentes.

Naquele dia, a chuva tinha acabado de parar. O sol estava brilhando maravilhosamente sobre as folhas recobertas com gotas de chuva, tal como jóias apanhando a luz matinal. Parei de caminhar e estendi minha mão para apanhar uma gota de chuva duma agulha de pinheiro; a água caiu brilhando sobre o meu dedo na forma de uma gota redonda. Eu disse a Chân Đạo Hành para estender sua mão a fim de receber esta jóia, e a coloquei sobre sua palma. Suas mãos haviam estado antes em seus bolsos, de tal modo que haviam permanecido secas e quentes, e quando a jóia foi colocada na palma de sua mão, era ainda uma gota inteira. Apanhei também uma jóia dessas para Chân Tuệ Hương. A Terra e o céu estavam tão maravilhosos. Cada momento é uma jóia preciosa que contém o céu, água, nuvens, terra. Com uma única respiração em plena consciência, tantos milagres se manifestam.
A meditação caminhando é assim. Cada passo é uma realização; cada passo é alegria; cada passo é nutrição e cura. Quando começamos a caminhar colina acima, eu parei e apontei para um canto da colina e disse a eles: “A uma pequena distância daqui vocês irão avistar a Cabana do Sentar na Calma. Talvez o mestre esteja sentado lá.” E quando a Cabana estava visível, parei novamente, apontei naquela direção para que a vissem, e os convidei a respirar e sorrir. Na realidade, ambos já haviam visto a Cabana do Sentar na Calma muitas vezes, e por muitas vezes tinham bebido chá comigo lá; porém desta feita eles estavam usando um novo par de olhos para enxergar e explorar algo novo. Nós três éramos como pessoas saídas de uma lenda, buscando por um mestre zen nas montanhas, não sabendo se as condições seriam favoráveis para o encontrarmos ou não. (Há milhares de pessoas que já estiveram em Upper Hamlet, de tantos países; mas quantas foram recebidas como convidadas pelo eremita na Cabana do Sentar na Calma? Ou quantas foram recebidas como convidadas na Cabana da Escuta Profunda, no nosso templo raiz, Từ Hiếu?)
No ano passado, durante o Retiro de Inverno, o Irmão Pháp Tri foi meu atendente na Cabana do Sentar na Calma, sob a orientação de seu Irmão mais velho Mãn Tuệ. Quando o Irmão Pháp Tri retornou de sua aula de maneiras com plena consciência, ao não me ver ali, preparou-se para ir procurar-me nas colinas. Naquele mesmo momento, eu cheguei com os meus dois turistas. Eu ainda estava bancando o “guia de turismo” e perguntei ao noviço: “O mestre está na cabana?” O noviço pareceu confuso, e não soube o que responder. Continuei: “Ou o mestre ainda não voltou de coletar ervas medicinais na montanha?” Agora o noviço havia entendido. Ele respondeu: “Querido e honrado hóspede, meu professor está para voltar da montanha. Gostaria de convidá-los a todos para entrarem na cabana e tomarem chá enquanto esperamos o mestre”. No templo Vietnã, em Los Angeles, há uma caligrafia que eu ofertei ao Venerável Mãn Giác. É a tradução de um poema escrito por Giã Đảo, da dinastia Đương:
Junto ao pinheiro o noviço disse
“o mestre acabou de sair para coletar ervas medicinais na montanha
mas por causa da neblina espessa não se pode vê-lo.”
Na verdade, o atendente sabia onde seu mestre estava sentado, em qual pico da montanha, mas ele respondeu dessa maneira porque não quis que seu mestre fosse perturbado pelo visitante. Ele não quis ir procurar o mestre, para deixar o mestre sentar-se em paz, sozinho. Ocasionalmente, a neblina envolve a colina Thê Nhât, mas não tanto quanto acontece no monastério de Kim Són, no Norte da Califórnia.
Minha trilha com pinheiros tornou-se uma lenda também, você percebe? Mas qual foi a trilha que nós passamos a não se tornar lendária também? Como a trilha de meditação caminhando que leva ao riacho, em Prajña [Vietnã]. Nós caminhamos por aquela trilha muitas vezes com tais passos, vocês se lembram, minhas crianças? A trilha que vai à Montanha do Lótus de Mil Pétalas (Thousand Lótus Petal mountain) em Deer Park – quantas vezes nós subimos aquela montanha? Quantas vezes nós nos sentamos naqueles rochedos no alto do pico, olhando para o vale abaixo e Escondido [cidade na Califórnia] coberta pela neblina? A trilha de meditação caminhando que começa no jardim do Salão do Buda (Buddha Hall) em Từ Hiếu e desce até o lago em forma de meia-lua, continua ao redor do lago da Estrela Matinal e através do portal triplo subindo a colina Dương Xuân ou então em direção às stupas dos Patriarcas – aquela trilha tornou-se lendária, e apareceu-me em sonhos durante os quarenta anos em que estive longe do Vietnã. As trilhas de meditação caminhando em Lower Hamlet e New Hamlet também já levam duas décadas de nossas pegadas, e todas as vezes em que vamos para longe, temos saudades delas.
Nós imprimimos nossas pegadas de Buda nas trilhas de meditação caminhando em Estes Park, nas Montanhas Rochosas; nas alamedas do Stonehill College; no campus da Universidade da Califórnia em Santa Barbara; no MacArthur Park em Los Angeles; nas principais avenidas de grandes cidades como Frankfurt, Roma, Amsterdã, Paris, Nova Iorque, Nova Delhi, Hanói, etc. Lembro-me de quando fiz a meditação caminhando junto ao lago Hoàn Kiếm, com uma sangha de monásticos e praticantes laicos de 41 nacionalidades. Demos passos de paz e liberdade junto ao lago, cruzando a ponte Thê Húc, dirigindo-nos ao templo de Ngóc Son. Os habitantes locais surpreenderam-se ao ver um grupo de pessoas caminhando com liberdade, como pessoas “sem ter mais o que fazer” em meio ao tumulto da capital do Vietnã, onde todos parecem estar preocupados e com pressa. Ao verem um tal grupo de pessoas, alguns disseram ter redescoberto as raízes de sua cultura e seu verdadeiro lar. Caminhamos da mesma maneira em Trung Hậu, Đồng Đắc, Sóc Sơn, Bằng A, Văn Miếu, Hoa Lư, Tát Diệm, Diệu Đế, Thuyền Tôn, Linh Mụ, Linh Ứng, Tam Thai Chúc Thánh, Mỹ Sơn, Cam Ranh, Thập Tháp, Nguyên Thiều, Giác Viên, Giác Lâm, Ấn Quang, Hoằng Pháp, and Pháp Vân. Todos os lugares são para nós terra sagrada. Qualquer lugar pode ser nosso verdadeiro lar, quando sabemos como parar e viver em plena atenção.
O ano de 2008 irá terminar em poucas semanas. Sentado aqui, escrevendo esta carta de fim de ano para minhas crianças espirituais, sinto bastante aconchego, como se estivesse sentado na companhia de todos vocês. O Natal este ano acontecerá em New Hamlet, enquanto que Lower Hamlet irá nos recepcionar para as comemorações do Ano Novo, e o Upper Hamlet vai nos oferecer as comemorações do Ano Novo Lunar Vietnamita, no Ano do Búfalo. Este inverno, durante as cerimônias da Grande Ordenação da Estação do Lótus Novo (New Lotus Season Great Ordination), serão vinte e sete pessoas a receber a transmissão da lâmpada do Dharma, e o Irmão Pháp Hữu será uma delas. O pequenino Huỳnh Thế Nhiệm veio a Plum Village pela primeira vez quando tinha sete anos de idade, e voltou diversas vezes depois desta. Nhiệm ordenou-se com a idade de doze anos, em Fevereiro de 2002. Agora Nhiệm irá receber a lâmpada e tornar-se um Professor do Dharma. Ele é o Irmão Pháp Hữu. Durante este Retiro de Inverno, Pháp Hữu é o mentor de sete praticantes laicos, e eles estão muito felizes de ter um mentor assim tão jovem.
Meus monges e monjas bebês estão todos crescidos agora! Além do Irmão Pháp Hữu, há o Irmão Pháp Chiếu e as Irmãs Mật Nghiem, Đàn Nghiêm e Mẫn Nghiêm como mentores de nossos amigos laicos. A Irmã Mẫn Nghiêm recebeu a transmissão da lâmpada no ano passado, durante as cerimônias da Grande Ordenação do Refrescar a Terra (Earth Refreshing Great Ordination), tornando-se a mais jovem Professora do Dharma em Plum Village. A Irmã Mẫn Nghiêm encontrou-me pela primeira vez quando ela tinha apenas cinco anos de idade. Ele veio a Plum Village para ordenar-se quando tinha doze anos de idade. O nome dela era Hạ Thoại Mỹ Quyên. Quando ela tinha dezesseis anos leu meu livro “Speaking to Twenty-Year-Olds” e prometeu a si mesma que quando ela fizesse dezoito anos de idade iria escrever um livro para mim, com o título de “Speaking to Eighty-Year-Olds”. Quyên de fato escreveu esse livro quando ela fez vinte anos de idade; tinha 300 páginas, e eu ainda o tenho no meu eremitério da Fonte Perfumada (Fragrant Source). Sou o único autorizado a ler o livro, disse-me a Irmã Mẫn Nghiêm.
Pháp Hữu irá tornar-se um jovem Professor do Dharma. Em seus dez anos junto a mim, nunca nos irritamos um com o outro. A conexão entre nós é muito boa. Pháp Hữu tornou-se um dos meus melhores atendentes – muito atencioso, não menos do que Pháp Niệm; e muito organizado. Ele não espera até que eu lhe diga do que preciso. Certa vez eu disse a Pháp Hữu: “No passado, o atendente do Buda era o Venerável Ananda; ele era tão bom quanto você o é agora, como meu atendente.” Nhiệm respondeu humildemente: “Mas eu não tenho a mesma boa memória do Venerável Ananda.” Eu ri e disse, “Você não precisa ter a memória do Venerável Ananda, porque nos já temos um iPod a tiracolo, na nossa sacola.” Mestre e aluno olharam-se e riram.
De repente, penso em neve. Está nevando agora mesmo em Waldbröl, no EIAB [European Institute of Applied Buddhism, Instituto Europeu de Budismo Aplicado, ligado a Plum Village, com sede na Alemanha]. Semana passada, a Irmã Sông Nghiêm telefonou e disse-me que estava nevando e que a neve já atingira 25 centímetros de altura. A paisagem em Waldbröl está maravilhosa, e ela convidou-me para ir me divertir com eles. Mas eu estou lá agora mesmo, vocês não percebem, minhas crianças? Estou agora mesmo também em Blue Cilff, Deer Park, Maple Village, Lótus Bud, Magnólia Village, Prajña, Từ Hiếu, Hohenau, Source of Compassion e muitos outros lugares! Você deve ser capaz de ver-me ali mesmo onde você está, sentado ou em pé. Será que os mais jovens ainda se lembram da adivinhação do Irmão Pháp Lâm? Eu não estou somente na Índia. Vocês já ouviram o mestre zen Vô Ngôn Thông dizer, “Aqui é a Índia; a Índia é aqui” (Tây Thiên thử độ, thử độ Tây Thiên)?

Lembro-me da rede de balanço que está pendurada nas árvores, atrás do Instituto. Antes de ir para lá, eu havia escrito uma carta para minhas crianças na Alemanha. Perguntei se alguém teria uma rede para emprestar-me. Eu a colocaria no pomar de macieiras para ali sentar-me e brincar com as minhas crianças, celebrando o novo Instituto. Não sei quem repassou a carta, mas quando cheguei ao Instituto meus atendentes informaram-me de que um total de 149 redes haviam sido enviadas. No próximo verão, teremos muitas oportunidades de praticarmos “meditação da rede” por lá.
Escrevendo cartas para minhas crianças, nunca sei quando é o bastante. Vou parar por aqui. Eu os verei novamente na noite do Ano Novo Lunar, durante o sarau de poesias. Desejo a todos muita felicidade e progresso na construção de nossa irmandade.

Thầy

Notas do blog:

Tradução de Chân Mật Đăng – Verdadeira Luz Esotérica/ paraserzen

[...] algumas breves explicações foram incluídas nesta tradução para facilitar o entendimento do texto, e aparecem entre colchetes; as fotos que ilustram o texto foram colhidas nos sites de Plum Village, álbuns disponíveis na internet ou enviadas por amigos;

(1)”Fragrant Palm Leaves” e “The Hermitage Among the Clouds" são livros da autoria de Thich Nhat Hanh, ainda não disponíveis em Português;

(2) livros de Thich Nhat Hanh ainda não disponíveis em Português;

(3) "Falando a pessoas de 21 anos de idade" e "Falando a octogenários"

(*)Từ Hiếu, em Hue, Vietnã, é considerado o templo-raiz (root temple), pois é onde Thay foi noviço. Se desejar ouvir um tour guiado do templo oferecido pelo Thay, falando ao fundo em Vietnamita e sendo traduzido simultaneamente para o Inglês pela Irmã Dang Nghiem, por favor acesse o podcast:
http://www.deerpark.libsyn.com/index.php?post_id=199959

(**) No retiro de inverno de 2008/09, Thich Nhat Hanh deu a maioria dos Dharma Talks em Vietnamita, com tradução para o Inglês e o Francês; disponíveis em:
http://langmai.info/new/index.php?option=com_content&view=article&id=835:quanniem&catid=113:phap-thoi&Itemid=464

- para saber mais sobre Thich Nhat Hanh, Plum Village e outros monastérios dessa tradição, por favor acesse o site oficial em:
http://www.plumvillage.org/

- para saber mais sobre o recém-criado EIAB - European Institute of Applied Buddhism (Instituto Europeu de Budismo Aplicado), ligado a Plum Village, com sede na Alemanha, por favor acesse: http://www.eiab-maincampus.org/EIAB_Germany/Home.html

- para ler a carta do Thay no original em Inglês por favor dirija-se a:http://lotusinthemud.typepad.com/sujatin/2009/01/thich-nhat-hanhs-inspirational-christmas-letter.html

Um comentário:

  1. Querido Tai, querida Sanga,

    Quando li a carta do Irmão Pháp An, senti-me muito honrada de ser um membro desta linhagem. Obrigada Irmão-zão pela linda carta e pelo exemplo inspirador que você está nos dando para que possamos aprofundar e aperfeiçoar nossa prática do primeiro Treino da Mente Consciente. Obrigada por oferecer o seu tempo, energia e insight para proteger estas lindas e vulneráveis criaturas que estão ameaçadas em sua área.



    Como vivo em Recife, uma grande cidade do Nordeste do Brasil, e não sou fotógrafa, comecei a pensar em formas alternativas pelas quais eu pudesse ajudar nesta causa de poupar a vida dos animais no Sul da França – visto que os animais não conseguem protestar contra o abuso e crueldade cometidos pelos ‘humanos’ é crucial que ajamos em benefício deles.



    Embora eu ache que a divulgação da beleza dos animais através de fotografias seja de fato uma boa idéia que pode tocar e transformar os corações encouraçados dos caçadores, eu também acho que este projeto poderia ser realizado simultaneamente com ações de cunho legal.



    De acordo com a Declaração dos Direitos dos Animais promulgada pela UNESCO em Bruxelas, desde 27 de janeiro de 1978, caça é um esporte que poderia cair na categoria de “crime contra as espécies selvagens” – veja o Artigo 8 abaixo.



    Portanto eu gostaria de sugerir a impressão deste documento original dos Direitos dos Animais em tamanho de pôster para serem colocados em paredes públicas. Será que existiria algum Artigo na Constituição francesa concernente à proteção ao meio ambiente e animais? Caso exista, o problema da caça na área de Plum Village poderia ser veiculado nas televisões francesas e nós poderíamos também pedir ajuda da polícia para impedir que os caçadores cometam tais crimes.



    Dito isso Irmão An, eu não estou muito convencida de que a motivação dos caçadores para caçar animais seja “o amor deles pela natureza”, como você coloca na sua amável carta. É mais provável que eles tenham esta atividade como lazer ou diversão ou mesmo com o intuito de comer a carne dos animais. Em qualquer dos casos poderíamos argumentar que eles estão causando sofrimento desnecessário às criaturas vivas que podem levar ao biocídio da espécie. Além disso, a caça pode causar acidentes indesejados aos humanos transeuntes que podem ser baleados por um erro.



    Obrigada por ler minha carta. É tudo o que por hora consigo pensar.


    Desejo-lhe muito sucesso neste empreendimento.



    Maria Goretti



    PS: O documento abaixo foi copiado do site http://www.ch-br.net/quatropatasecia/e/infos/animal_rights.htm

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